O que é a moral?

Imagine você numa loja e na sua mão aquilo que você sempre desejou, uma roupa, um relógio ou um aparelho eletrônico. Ninguém está olhando. Então você pensa: eu poderia colocar em minha bolsa e sair andando como quem não quer nada. Mas então vem à sua cabeça: muito arriscado, pode haver um sistema eletrônico de vigilância ou aquele vendedor que está de costas se virar justamente quando eu estiver colocando o objeto em minha bolsa.

Você desiste da ideia de roubar. Isso é honestidade? 

Não, não se trata de honestidade se você está apenas com medo de ser pego. Esse medo não é uma virtude. Na verdade a única virtude nisso tudo é a sua prudência.

Capítulo 1 - A Moral

O anel mágico

Agora imagine que você tem um anel mágico que torna você invisível sempre que desejasse. Esse anel está numa história de Platão, um grande filósofo da antiguidade.

Nessa história de Platão, Giges, um homem que sempre fora honesto não resistiu à tentação do anel: aproveitou-se desse poder, entrou no palácio do rei, seduziu a rainha, matou o rei e tomou o poder para exercê-lo em seu único e exclusivo benefício.

No fim das contas, Giges não era tão honesto assim

Essa história nos leva a pensar que as pessoas boas e más só são diferentes por conta da prudência e pela hipocrisia. Pela importância que dão ao olhar das outras pessoas, de como seríam julgados por seus atos.

Tanto a pessoa de bem como a pessoa má seriam iguais se possuíssem o tal anel mágico.

Assim, poderíamos concluir que a moral não passa de uma ilusão, uma mentira, um medo fantasiado de virtude.

Hipocrisia: ato ou efeito de fingir, de dissimular os verdadeiros sentimentos, intenções; fingimento, falsidade.

Será verdade que a moral não existe?

Platão está convencido do contrário. 

Continuando com essa experiência mental de você ser dono daquele anel mágico, o que você faria ou não faria se fosse invisível? Continuaria a respeitar a propriedade alheia? Continuaria a respeitar intimidade das pessoas? Os segredos dos outros?

O que você continuaria a não fazer mesmo sendo invisível? O que você continuaria a se impor e se proibir, não por algum interesse como preservar sua liberdade ou não ser mal falado pelas pessoas, mas por um dever? Somente isso seria estritamente moral.

Moral é aquilo que você faz ou deixa de fazer por que acha que deve ser assim. 

Não porque você tem medo do que possa acontecer, ou o que vão pensar de você mas por uma concepção sua do bem e do mal, do que você considera ser a atitude correta.

Resumindo: moral é o conjunto de regras que você se submeteria,  mesmo se fosse invisível ou invencível.

Platão também dizia que “ser moral é levar em conta os interesses dos outros mesmo que os deuses e os homens não saibam”, em outras palavras , sem recompensa ou castigo e sem necessitar de nenhum outro olhar além do seu mesmo.

Você vale pelo bem que faz e pelo mal que deixa de fazer, sem nenhum benefício, mesmo que ninguém jamais venha a saber do seu feito.

É moral o que você faz ou deixa de fazer sem ser em benefício próprio pois nesse caso seria apenas egoísmo, é moral quando feito  levando em conta os interesses e direitos do outro. É a lei que me imponho, independentemente do olhar do outro e de qualquer castigo ou recompensa.

Moral não é moralismo.

Ser moral é perguntar “O que devo fazer” e não “O que os outros devem fazer”. É isso que distingue a moral do moralismo. Quem se preocupa com os deveres dos outros não é moral, é moralizador. 

Dizer para alguém ser generoso não é dar prova de generosidade. Dizer para o outro que ele deve ser corajoso não é prova de coragem. A moral só vale para si mesmo.

Sua consciência

Você roubou, mentiu, aproveitou-se da fraqueza de outro? Ou você foi bom, justo e generoso? 

Você sabe disso muito bem é isso que é a sua consciência.

Então você poderia pensar que existem tantas morais como pessoas, mas não é bem assim.

A moral dependendo da época e do que nos ensinam

Aí é que está o paradoxo da moral: ela só vale na primeira pessoa (minha moral vale para mim) mas vale universalmente, para todas as pessoas já que todo ser humano é um “eu”.

Na prática há “morais” diferentes, que dependem da educação da sociedade, da cultura ou da época em que as pessoas vivem. Não há moral absoluta e se houver ninguém tem acesso a ela.

Um exemplo rápido: na época de Jesus Cristo não era imoral um homem considerar sua mulher como sua propriedade, não era imoral ter escravos. Hoje em dia esses dois fatos ainda ocorrem mas agora são considerados imorais, pelo menos na nossa cultura. Ainda bem que a humanidade evoluiu e continua evoluindo. Bem devagar, mas vamos em frente.

Quando me proíbo da crueldade, do racismo ou do assassinato, não é somente uma questão de preferência, que depende do gosto de cada um, mas uma questão de sobrevivência e de dignidade de uma sociedade, da civilização.

Se todo mundo mentisse, ninguém acreditaria em ninguém. 

Se todo mundo roubasse, a vida em sociedade se tornaria impossível.

Se todo mundo matasse, só haveria medo e todos seriam vítimas.

No fim das contas, a moral é uma questão de sobrevivência.

Os fins não justificam os meios

Penso que uma moral, ou sistema moral, só é realmente válido quando ele é a favor da sociedade. 

Acredite: muitos assassinatos, aos milhares e mesmo aos milhões, foram "justificados" como uma purificação da sociedade, purificação racial ou mesmo social (eliminação dos que são contra alguma ideia). 

Muitas mortes foram justificadas em nome de uma "revolução" social ou política. Muita roubalheira foi justificada na base do "roubamos mas fizemos muito pela sociedade".

Veja que é preciso proibir-se de fazer o que você condenaria que os outros fizessem. Esse é o ponto decisivo: trata-se de se submeter pessoalmente a uma lei que nos parece valer, ou que deveria valer para todos.

Não sei se foi sempre assim mas no nosso tempo existe uma relativização do que é certo ou errado: depende de quem faz. 

Tem uma frase que se aplica muito bem aos dias de hoje: "acuse os outros do que você faz, xingue os outros do que você é".

Tudo por conta de que "os fins justificam os meios", que aliás é uma frase bem cafajeste.

Uma ação só é boa se ela puder valer para todos.

Vamos fazer mais uma experiência mental.  Imagine um jardim com muitas e muitas flores. Você pode pensar: “se eu colher uma única flor ninguém notaria, não faria diferença”. Agora imagine se todos da cidade tivessem a mesma ideia, e que essa cidade tem milhares de pessoas, muito, mas muito mais pessoas que flores nesse jardim. Se todos fossem colher uma única flor, em pouco tempo não haveria mais flores e muitos ficariam sem.

Rousseau, um outro grande filósofo dizia: “Faz com os outros o que queres que os outros te façam”.

Tudo isso coincide com o espírito dos Evangelhos ou com o espírito da humanidade.

E preciso de um fundamento para legitimar a moral?

Não é preciso, nem mesmo tem que ser possível. É preciso de um fundamento para salvar uma criança que está se afogando? Um tirano massacra, oprime e tortura… Você precisa de um fundamento para combatê-lo?

Um fundamento seria uma verdade incontestável  que garantiria o  valor dos nossos valores, permitindo demonstrar, mesmo àquele que discorda do nosso ponto de vista,  que temos razão e ele não.

O problema é que esse fundamento pressupõe a própria moral que se pretende fundar.

Se um indivíduo coloca o egoísmo acima da generosidade, a mentira acima da verdade, a violência acima da compaixão, como demonstrar que ele está errado e que importância ele daria à essa demonstração? Por que para combatê-lo precisaríamos de ter meios para refutá-lo?

Contra a violência, contra a crueldade, contra a barbárie necessitamos mais de coragem do que de fundamentos.

O crente que respeita a moral somente para alcançar o paraíso ou por temer o inferno não seria virtuoso, mas sim apenas um egoísta prudente. Uma ação só é boa se feita sem esperar nada por ela.

Não é porque Deus existe que devo agir bem. Mesmo que Deus não existisse, mesmo que não existisse nada após a morte, mesmo assim você cumpriria com seu dever, continuaria agindo humanamente.

Isso não substitui a felicidade, isso não substitui o amor. Por isso a moral não é tudo na vida mas, apesar disso,  é necessária.

A humanidade necessita de você do mesmo modo que você necessita dela.


lm
LEIA MARTINS TONSO
31/10/2020 13:39
Estamos fazendo a leitura de um livro de Comte-Sponvlle ? É disso que se trata ?
Quero saber da ÉTICA.
Qual a diferença entre moral e ética ?

responder