Saber Genial ( André Comte-Sponville )
Imagine você numa loja e na sua mão aquilo que você sempre desejou, uma roupa, um relógio ou um aparelho eletrônico. Ninguém está olhando. Então você pensa: eu poderia colocar em minha bolsa e sair andando como quem não quer nada. Mas então vem à sua cabeça: muito arriscado, pode haver um sistema eletrônico de vigilância ou aquele vendedor que está de costas se virar justamente quando eu estiver colocando o objeto em minha bolsa.
Agora imagine que você tem um anel mágico que torna você invisível sempre que desejasse. Esse anel está numa história de Platão, um grande filósofo da antiguidade.
Nessa história de Platão, Giges, um homem que sempre fora honesto não resistiu à tentação do anel: aproveitou-se desse poder, entrou no palácio do rei, seduziu a rainha, matou o rei e tomou o poder para exercê-lo em seu único e exclusivo benefício.
No fim das contas, Giges não era tão honesto assim
Essa história nos leva a pensar que as pessoas boas e más só são diferentes por conta da prudência e pela hipocrisia. Pela importância que dão ao olhar das outras pessoas, de como seríam julgados por seus atos.
Tanto a pessoa de bem como a pessoa má seriam iguais se possuíssem o tal anel mágico.
Assim, poderíamos concluir que a moral não passa de uma ilusão, uma mentira, um medo fantasiado de virtude.
Hipocrisia: ato ou efeito de fingir, de dissimular os verdadeiros sentimentos, intenções; fingimento, falsidade.
Platão está convencido do contrário.
Continuando com essa experiência mental de você ser dono daquele anel mágico, o que você faria ou não faria se fosse invisível? Continuaria a respeitar a propriedade alheia? Continuaria a respeitar intimidade das pessoas? Os segredos dos outros?
O que você continuaria a não fazer mesmo sendo invisível? O que você continuaria a se impor e se proibir, não por algum interesse como preservar sua liberdade ou não ser mal falado pelas pessoas, mas por um dever? Somente isso seria estritamente moral.
Platão também dizia que “ser moral é levar em conta os interesses dos outros mesmo que os deuses e os homens não saibam”, em outras palavras , sem recompensa ou castigo e sem necessitar de nenhum outro olhar além do seu mesmo.
É moral o que você faz ou deixa de fazer sem ser em benefício próprio pois nesse caso seria apenas egoísmo, é moral quando feito levando em conta os interesses e direitos do outro. É a lei que me imponho, independentemente do olhar do outro e de qualquer castigo ou recompensa.
Ser moral é perguntar “O que devo fazer” e não “O que os outros devem fazer”. É isso que distingue a moral do moralismo. Quem se preocupa com os deveres dos outros não é moral, é moralizador.
Dizer para alguém ser generoso não é dar prova de generosidade. Dizer para o outro que ele deve ser corajoso não é prova de coragem. A moral só vale para si mesmo.
Então você poderia pensar que existem tantas morais como pessoas, mas não é bem assim.
A moral dependendo da época e do que nos ensinam
Aí é que está o paradoxo da moral: ela só vale na primeira pessoa (minha moral vale para mim) mas vale universalmente, para todas as pessoas já que todo ser humano é um “eu”.
Na prática há “morais” diferentes, que dependem da educação da sociedade, da cultura ou da época em que as pessoas vivem. Não há moral absoluta e se houver ninguém tem acesso a ela.
Um exemplo rápido: na época de Jesus Cristo não era imoral um homem considerar sua mulher como sua propriedade, não era imoral ter escravos. Hoje em dia esses dois fatos ainda ocorrem mas agora são considerados imorais, pelo menos na nossa cultura. Ainda bem que a humanidade evoluiu e continua evoluindo. Bem devagar, mas vamos em frente.
Quando me proíbo da crueldade, do racismo ou do assassinato, não é somente uma questão de preferência, que depende do gosto de cada um, mas uma questão de sobrevivência e de dignidade de uma sociedade, da civilização.
No fim das contas, a moral é uma questão de sobrevivência.
Penso que uma moral, ou sistema moral, só é realmente válido quando ele é a favor da sociedade.
Acredite: muitos assassinatos, aos milhares e mesmo aos milhões, foram "justificados" como uma purificação da sociedade, purificação racial ou mesmo social (eliminação dos que são contra alguma ideia).
Muitas mortes foram justificadas em nome de uma "revolução" social ou política. Muita roubalheira foi justificada na base do "roubamos mas fizemos muito pela sociedade".
Veja que é preciso proibir-se de fazer o que você condenaria que os outros fizessem. Esse é o ponto decisivo: trata-se de se submeter pessoalmente a uma lei que nos parece valer, ou que deveria valer para todos.
Não sei se foi sempre assim mas no nosso tempo existe uma relativização do que é certo ou errado: depende de quem faz.
Tem uma frase que se aplica muito bem aos dias de hoje: "acuse os outros do que você faz, xingue os outros do que você é".
Tudo por conta de que "os fins justificam os meios", que aliás é uma frase bem cafajeste.
Vamos fazer mais uma experiência mental. Imagine um jardim com muitas e muitas flores. Você pode pensar: “se eu colher uma única flor ninguém notaria, não faria diferença”. Agora imagine se todos da cidade tivessem a mesma ideia, e que essa cidade tem milhares de pessoas, muito, mas muito mais pessoas que flores nesse jardim. Se todos fossem colher uma única flor, em pouco tempo não haveria mais flores e muitos ficariam sem.
Tudo isso coincide com o espírito dos Evangelhos ou com o espírito da humanidade.
Não é preciso, nem mesmo tem que ser possível. É preciso de um fundamento para salvar uma criança que está se afogando? Um tirano massacra, oprime e tortura… Você precisa de um fundamento para combatê-lo?
Um fundamento seria uma verdade incontestável que garantiria o valor dos nossos valores, permitindo demonstrar, mesmo àquele que discorda do nosso ponto de vista, que temos razão e ele não.
O problema é que esse fundamento pressupõe a própria moral que se pretende fundar.
Se um indivíduo coloca o egoísmo acima da generosidade, a mentira acima da verdade, a violência acima da compaixão, como demonstrar que ele está errado e que importância ele daria à essa demonstração? Por que para combatê-lo precisaríamos de ter meios para refutá-lo?
O crente que respeita a moral somente para alcançar o paraíso ou por temer o inferno não seria virtuoso, mas sim apenas um egoísta prudente. Uma ação só é boa se feita sem esperar nada por ela.
Não é porque Deus existe que devo agir bem. Mesmo que Deus não existisse, mesmo que não existisse nada após a morte, mesmo assim você cumpriria com seu dever, continuaria agindo humanamente.
A humanidade necessita de você do mesmo modo que você necessita dela.
Questão filosófica: seu esforço e determinação
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Quero saber da ÉTICA.
Qual a diferença entre moral e ética ?
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