Saber Genial ( André Comte-Sponville )
Viver em sociedade sendo naturalmente egoísta gera conflitos. É para isso que serve a política, para resolver esses conflitos sem violência. Para escapar da guerra, do medo e da violência.
A política é a gestão desses conflitos, não apenas entre indivíduos, como por exemplo em conflitos familiares, mas na escala de toda a sociedade.
Isso pressupõe choques, mas esses choques devem estar sujeitas a regras. É para isso que existe a política.
A questão é: quem manda e quem obedece?
Quem faz a lei?
Esses são os três regimes ou tipos governo. Pode ser, e é o que acontece com frequência, uma mistura singular desses três tipos.
O fato é que não haveria política sem esse poder, que é o maior de todos, pelo menos nesta terra, e a garantia de todos os outros poderes. Todos os outros poderes, que são incontáveis, só podem coexistir sob a autoridade reconhecida ou imposta do poder mais poderoso dentre eles.
Multiplicidade de poderes ou unicidade do soberano ou do estado?
Vamos nos submeter ao primeiro bruto que aparecer? Ao primeiro líder que se apresentar? Claro que não! Sabemos que é necessário um poder, ou vários, sabemos que é necessário obedecer certas regras mas não a qualquer um, não a qualquer preço.
Se todo mundo está de acordo (por exemplo, que a saúde é melhor que a doença, que a felicidade é preferível à infelicidade), então não se trata de política.
Se cada um fica no seu canto, cuidando dos próprios assuntos pessoais, também não é política.
A política nos reúne nos opondo: ela nos opõe sobre a melhor maneira de nos reunir! Isso não tem fim!
Melhor que a guerra ou uma vida solitária é ter um poder comum, melhor a política.
O que é a política? É a vida comum e conflituosa, sob o domínio de uma lei comum (o Estado). Não fazer política é renunciar a uma parte do seu poder de suas responsabilidades. Ser apolítico é um erro e uma culpa: é ir contra seus interesses e seus deveres.
A política é dispensável? Não bastaria apenas a moral?
Se a moral reinasse, não precisaríamos de polícia, de leis, de tribunais, de forças armadas: não precisaríamos de Estado, portanto, não precisaríamos de política.
Claro que a moral é necessária mas ela, na prática não resolve todos os problemas pelo simples fato de ser impossível de todas as pessoas serem moralmente perfeitas.
A moral não tem fronteiras, a política tem. A moral não tem nada a ver com os interesses do Brasil ou dos brasileiros, para a moral só existe a humanidade.
A política, seja ela de esquerda ou de direita, só existe para defender um povo, ou povos, em particular.
Você pode preferir que a moral bastasse, que a política não é necessária, mas a história nos diz o contrário: a política é necessária.
A política não é o contrário do egoísmo, mas a moral é.
Para a política nós podemos ser egoístas juntos, já que essa condição é inerente ao ser humano, mas que seja da maneira mais eficaz possível.
Como resolver o conflito gerado pelo fato de que somos todos egoístas por natureza, que todos estão procurando o melhor para si mesmo?
Sim, existem pessoas não egoístas, mas são a minoria da minoria. Se você se considera uma pessoa sem egoísmo é quase certo que você é egoísta.
Esse conflito pode ser resolvido através da convergência de interesses, é isso que chamamos de solidariedade.
A solidariedade difere da generosidade, que supõe justamente o contrário: o desinteresse no resultado da ação.
É importante ressaltar essa diferença.
A solidariedade é uma maneira de se defender coletivamente; A generosidade, no limite, é uma maneira de se sacrificar pelos outros.
É por isso que a generosidade é, moralmente falando, superior. Por outro lado a solidariedade, social e politicamente, é mais urgente e realista, mais eficaz.
Ninguém paga impostos por generosidade, ninguém paga a seguridade social por generosidade - mas esses sistemas fazem mais pela justiça que o pouco de generosidade que se pratica.
A mesma coisa sobre a política. Ninguém respeita a lei por generosidade, mas a lei e o Estado podem fazer mais pela justiça e pela liberdade do que os bons sentimentos.
Solidariedade e generosidade não são incompatíveis e uma não exclui a outra. Não são equivalentes mas pode-se ser solidário e generoso. Nenhuma das duas, sozinha, basta. Num mundo ideal talvez a generosidade bastasse mas o mundo está bem distante de ser ideal.
Generosidade, virtude moral. Solidariedade, virtude política.
A moral e a política, em seus objetivos, não se opõem, mas a moral, sozinha, não é suficiente para alcançá-los.
A moral, em seu princípio é desinteressada, mas a política não o é.
A moral é universal, ou assim se pretende; a política é particular.
A moral é solitária (só vale na primeira pessoa); a política é coletiva.
É por isso que a moral não faria as vezes da política da mesma maneira que a política não faz as vezes da moral. Precisamos das duas.
Uma eleição, salvo excepcionalmente, não opõe bons e maus, mas opõe campos, grupos sociais ou ideológicos, partidos, alianças, interesses, opiniões, opções, programas.
Uma pequena observação: "Salvo excepcionalmente" porque esse texto está baseado num livro de André Comte-Sponville, filósofo francês. Aqui no Brasil as eleições não opões adversários mas sim inimigos, que são coisas bem diferentes. Adversários são derrotados, inimigos são eliminados. Só baixaria!
Que a moral tenha o que dizer, tudo bem. Mas imagine, a moral condena a guerra e a violência, que é preciso combatê-los, mas não nos diz como fazê-lo. Politicamente o que importa é o como fazer, e é a política que dará essa resposta.
Quanto aos que fazem política como profissão, os políticos, devemos ser gratos pelos esforços mas não devemos nos iludir sobre sua competência nem por sua virtude. A vigilância faz parte dos nossos direitos e deveres como cidadãos.
Outra oservação: mais uma vez, levamos em consideração que trata-se de um filósofo francês. "devemos ser gratos pelos esforços (dos políticos)". Aqui no Brasil devemos estar bem mais vigilantes do que gratos. Mas vejam que lá o problema é o mesmo.
Ser vigilante é não crer cegamente nas palavras dos políticos, mas também não é condená-los cegamente. Num estado democrático temos os políticos que merecemos afinal, somos nós que os elegemos.
Para todos que são apegados aos direitos e ao seu próprio bem estar, interessar-se por política não é apenas um direito mas um dever e seu interesse.
Aristóteles dizia que “o homem é um ser político”: por que sem política ele não poderia assumir inteiramente sua humanidade.
O mundo não para de mudar, uma sociedade que não mudasse estaria destinada à ruína. Por isso é necessário agir, lutar, resistir, inventar, salvaguardar, transformar… É para isso que serve a política. Há tarefas mais interessantes? pode ser. Mas não há, na escala da sociedade, tarefas mais urgentes. A história não espera; não fique bobamente esperando-a.
Questão filosófica: seu esforço e determinação
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