Saber Genial ( André Comte-Sponville )
André Comte-Sponville considera o amor o tema mais interessante em seu livro Apresentação da Filosofia.
Pare ele o amor promete felicidade ou pelo menos parece prometer. Porém existem outras paixões além do amor entre pessoas apaixonadas.
Na verdade, todo interesse pressupõe o amor. Você se interessa pelo esporte? É porque você ama o esporte. Se interessa pelo cinema, pelo dinheiro, pela política, pela liberdade? É por que você os ama.
Você se interessa pelo estudo ou pelo seu trabalho? Você estuda ou trabalha não só por obrigação ou necessidade mas porque você também gosta de estudar e também gosta do seu trabalho? Então é porque você ama seu estudo e seu trabalho.
Se você ama seu estudo ou seu trabalho é porque ele lhe fornece felicidade ou pelo menos lhe trará felicidade no futuro.
E a felicidade é o amor pelo que somos, pelo que temos, pelo que fazemos.
Você pode se interessar por assuntos relacionados à guerra, mas isso não quer dizer que você ama a guerra ou a morte. É mais provável que você se interesse por esses assuntos por amar o que resiste a eles: a paz, a fraternidade, a coragem.
Não há interesse sem amor, diz André Comte-Sponville, e é por isso que ele considera o amor o tema mais interessante.
Então entramos num tema delicado: o suicídio. Segundo o filósofo Albert Camus: “Só existe um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder a questão fundamental da filosofia”.
Outro filósofo, Spinoza, percebeu: “Toda nossa felicidade e toda nossa miséria residem num só ponto: a que tipo de objeto estamos presos pelo amor?”
A infelicidade seria a perda da capacidade de amar, inclusive amar a si mesmo.
O amor é o que faz viver, o que torna a vida amável. É o amor que salva; é ele portanto que se trata de salvar.
Essas palavras nos levam a um conceito moderno em que uma pessoa pode amar diversas outras, é uma reação à monogamia. Mas podemos interpretá-las de outra forma, com mais abrangência.
Amamos nossos pais, nossos irmão, nossos amigos, Deus, mas também podemos amar o dinheiro, o poder, nosso carro, ou até mesmo aquele que está ali, simplesmente, amar nosso próximo.
Sabemos realmente do que falamos quando nos referimos ao amor? Muitas vezes utilizamos a palavra “amor” para esconder, enfeitar ou iludir sobre sentimentos que na verdades são narcísicos ou egoístas. Esconder e iludir inclusive a nós mesmos.
Essa confusão do uso da palavra “amor” é muitas vezes utilizada apenas para fingir que amamos alguém ou alguma coisa quando na verdade amamos apenas a nós mesmos. Usamos a palavra amor para mascarar - mais do que corrigir - nossos erros e desacertos.
Esse fingimento nem sempre é um mecanismo consciente, de má fé, pode ser apenas uma fuga de algo negativo sobre nós mesmos que não queremos admitir ou enfrentar.
É por isso que devemos ser vigilantes: o amor à verdade deve acompanhar o amor, deve iluminá-lo e guiá-lo. Muitas vezes é preciso moderar o entusiasmo.
Amar a si mesmo é necessário, senão como poderíamos amar o próximo como a nós mesmos? Mas amar somente a si mesmo é uma experiência perigosa.
Seriam necessárias outras palavras para tantos tipos de amor: amizade, ternura, paixão, apego, afeto, simpatia, adoração, caridade e muitas outras. É só escolher, o que pode não ser fácil.
Os gregos utilizavam apenas três palavras para descrever três amores diferentes: eros, philia e ágape.
Eros é a carência, é a paixão amorosa. É o amor que toma, que quer possuir e conservar, é o amor romântico. Eu te amo, eu te quero.
Eros é sobre o amar o que falta, a paixão que dura somente na carência, na infelicidade, na frustração. É o amor que precisa da fé pois ama-se o que não se tem e então se sofre. Não há amor (eros) feliz.
Apesar da palavra “erótico” derivar da palavra eros, eros não necessariamente evoca uma natureza sexual.
Mas se eros é o amor por aquilo que não se tem, podemos amar também o que temos, o que fazemos.
Philia é esse tipo de amor, é a alegria e felicidade pelo que temos e pelo que somos, o segredo da felicidade.
Amamos então o que não nos falta, aquilo de que gozamos, aquilo que nos alegra, que nos agrada e satisfaz. Não há amor (philia) infeliz
Amizade é como se costuma traduzir philia. Philia também está relacionada com o amor familiar, entre pais e filhos, o amor entre irmãos, o companheirismo, a lealdade entre amigos e à comunidade.
Philia é o segredo dos casais felizes, o que não exclui o amor carnal, eros e philia às vezes se misturam. O amor carnal nutre e ilumina o amor philia. Como não ficar feliz com o prazer que damos ou recebemos?
Como não querer bem quem nos faz bem? Philia é o amor de se alegrar e querer bem a quem nos ama, e se alegrar em amar a quem se ama. Amor é alegria e alegria é amor.
Eros e philia são palavras do grego antigo e para os filósofos gregos antigos como Aristóteles, Platão e Epicuro, essas duas palavras bastam para descrever os dois tipos de amor que conheciam: a paixão (eros) e a amizade (philia).
Mas então, muito depois da morte desses três surge um judeu, numa distante colônia romana, dizendo num dialeto semítico:
Essas frases, à época em que foram ditas pela primeira vez, eram muito estranhas pareciam intraduzíveis em grego antigo. Que amor era esse? Eros? Philia?
Não podia ser eros pois Deus de nada carecia. Nem tampouco philia pois seria ridículo se considerar amigo de Deus.
Nesse tempo, essas frases eram consideradas absurdas, como nossa existência medíocre e miserável poderia poderia aumentar a eterna e perfeita alegria divina? E quem poderia pedir que amássemos nosso próximo, ou simplesmente ser seu amigo, de todo mundo, de qualquer um, até mesmo nossos inimigos?
Os primeiros discípulos de Jesus inventaram uma palavra grega para esse novo significado da palavra amor. Foi criado um neologismo a partir do verbo agapan (amar) que não tinha um substantivo, o que deu ágape. Em português temos o verbo amar e o substantivo correspondente amor, mas no grego antigo não havia essa correspondência.
Neologismo é um fenômeno linguístico que consiste na criação de uma palavra ou expressão nova, ou na atribuição de um novo sentido a uma palavra já existente.
Exemplo: Marcelo me deu um bolo. (Marcelo não compareceu ao encontro);
Mas não se deve confundir essa caridade com a esmola. ágape é o amor universal, puro e simples, liberto de tudo, de nossa auto admiração e egoísmo. Ágape é o amor a Deus. Não aos deuses da antiguidade, mas ao Deus único que os que têm fé acreditam.
(regozijar: causar regozijo a; alegrar(-se), contentar(-se).)
Não é preciso escolher qualquer um dos três. Compreender esses três tipos de amor é, principalmente, para compreender que todos os três são necessários e que os três estão ligados. Compreendê-los traz à luz o processo que leva de um ao outro. São três momentos de um mesmo processo, que é o de viver.
Eros é o primeiro,
Philia é o caminho, ou a alegria como caminho,
Ágape o objetivo.
Vejam o bebê tomando o peito, e a mãe, dando-o. Ela já foi um bebê: começamos tomando tudo, o que já é uma maneira de amar. Depois aprendemos a dar, ou pelo menos, deveríamos aprender. A dar pelo menos um pouco, pelo menos às vezes, o que é a única maneira de sermos fiéis ao amor recebido. Respondemos ao amor que nos ninou, que nos levou, alimentou e protegeu.
Se não fossem as mães, o que saberíamos sobre o amor?
Com o tempo vamos amando mais e mais intensamente. Amamos o que nos falta e nos perturba, amamos nossos amigos e a tudo que nos alegra e retribuímos esse amor. Nos alegramos por amar.
Se não fosse esse amor, o que saberíamos sobre Deus?
Segundo Platão: “Eu te amo, tu me fazes falta, eu te quero.”
Segundo Aristóteles ou Spinoza: “Eu te amo: és a causa da minha alegria, e isso me regozija.’
Segundo Simone Weil: “Eu te amo como a mim mesmo, que não sou nada, ou quase nada, eu te amo como Deus nos ama, se é que ele existe, eu te amo como qualquer um: ponho minha força a serviço da tua fraqueza, minha pouca força a serviço da tua imensa fraqueza.”
Eros, philia, ágape, o amor que toma, que só sabe gozar ou sofrer, possuir ou perder; o amor que se regozija e compartilha, que quer bem a quem nos faz bem; enfim o amor que aceita e protege, que dá e se entrega, que nem precisa mais ser amado…
Questão filosófica: seu esforço e determinação
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