Aprendendo com os erros: KARL POPPER E THOMAS KUHN

CAPÍTULO 36

Aprendendo com os erros KARL POPPER E THOMAS KUHN

Em 1666, um jovem cientista estava sentado em um jardim quando uma maçã caiu no chão. Isso o levou a pensar por que as maçãs caíam diretamente para baixo em vez de irem para o lado ou para cima. O cientista era Isaac Newton, e o incidente inspirou-o a elaborar a teoria da gravidade, uma teoria que explicava o movimento tanto dos planetas quanto das maçãs. Mas o que aconteceu depois? Você acha que Newton reuniu evidências que - sem sombra de dúvidas que sua teoria era verdadeira? Não, segundo Karl Popper (1902-1994). 

Os cientistas, assim como todos nós, aprendem com seus erros. A ciência avança quando percebemos que determinado modo de pensar sobre a realidade é falso. Isso, em duas frases, era a visão de Karl Popper de como funciona a melhor esperança da humanidade em relação ao conhecimento sobre o mundo. Antes de Popper desenvolver suas ideias, a maioria das pessoas acreditava que os cientistas partem de um pressentimento sobre como o mundo funciona e depois reúnem evidências que mostram que o pressentimento estava correto. 

O que os cientistas fazem, segundo Popper, é tentar provar que suas teorias são falsas. 

Para testar uma teoria, é preciso ver se ela pode ser refutada (apresentada como falsa). Um cientista típico começa com um corajoso palpite ou conjuntura que ele tenta destruir com uma série de experimentos ou observações. A ciência é um empreendimento criativo e estimulante, mas não prova que algo é verdadeiro – tudo o que ela faz é se livrar de falsas visões e, espera- se, aproximar-se gradativamente da verdade nesse processo. 

Popper nasceu em Viena em 1902. Embora sua família tenha se convertido ao cristianismo, ele era descendente de judeus. Quando Hitler subiu ao poder na década de 1930, Popper sabiamente saiu do país, mudando-se para a Nova Zelândia e depois para a Inglaterra, onde se estabeleceu e assumiu um cargo na Escola de Economia de Londres. Quando jovem, interessava- se amplamente por ciência, psicologia, política e música, mas a filosofia era sua verdadeira paixão. Ao fim da vida, Popper havia feito importantes contribuições tanto para a filosofia da ciência quanto para a filosofia política. 

Até Popper começar a escrever sobre o método científico, muitos cientistas e filósofos acreditavam que a maneira de fazer ciência era procurar evidências que dessem suporte a suas hipóteses. 

Aprendendo com os erros: KARL POPPER E THOMAS KUHN

Se quiséssemos provar que todos os cisnes são brancos, teríamos de fazer uma série de observações de cisnes brancos. Se todos os cisnes que observássemos fossem brancos, seria razoável presumir que a hipótese “Todos os cisnes são brancos” fosse verdadeira. Esse tipo de raciocínio vai de “Todos os cisnes que vi são brancos” para a conclusão “Todos os cisnes são brancos”. Mas certamente um cisne que não foi observado poderia ser negro. Há cisnes negros na Austrália, por exemplo, e em muitos zoológicos do mundo inteiro. Então, a declaração “Todos os cisnes são brancos” não segue logicamente da evidência. Mesmo que você tenha visto milhares de cisnes e todos fossem brancos, a hipótese ainda poderia ser falsa. A única maneira de provar conclusivamente que todos são brancos é vendo todos os cisnes. Se pelo menos um cisne negro existe, a conclusão “Todos os cisnes são brancos” terá sido refutada. 

Essa é uma versão do problema da indução, sobre o qual David Hume escreveu no século XVIII. É a fonte do problema. 

A dedução é um tipo de argumento lógico no qual, se as premissas (suposições iniciais) são verdadeiras, a conclusão deve ser verdadeira. 

Então, para tomar um exemplo famoso, “Todos os homens são mortais” e “Sócrates é um homem” são duas premissas verdadeiras a partir das quais se deduz a conclusão “Sócrates é mortal”. 

Seria uma contradição se disséssemos que “Todos os homens são mortais” e que “Sócrates é um homem”, mas negássemos a verdade da declaração “Sócrates é mortal”. Seria como dizer “Sócrates é e não é mortal”. Uma das maneiras de pensar na questão é que, com a dedução, a dedução da verdade da conclusão está de alguma forma contida nas premissas, e a lógica simplesmente a revela. 

Vejamos outro exemplo de dedução: 

Primeira premissa: Todos os peixes têm guelras.
Segunda premissa: John é um peixe.
Conclusão: Logo, John tem guelras. 

Seria absurdo dizer que a primeira e a segunda premissas são verdadeiras, mas a conclusão é falsa. Seria completamente ilógico. 

A indução é muito diferente disso. A indução normalmente parte de uma seleção de observações para uma conclusão geral. Se percebemos que nas últimas quatro semanas choveu toda terça-feira, podemos generalizar a partir disso que sempre chove às terças-feiras. Esse seria um caso de indução. Só seria preciso uma terça-feira sem chuva para destruir a afirmação de que sempre chove às terças-feiras. Quatro terças-feiras chuvosas consecutivas são uma amostra pequena de todas as terças-feiras possíveis. Mas mesmo que fizéssemos muitas e muitas observações, como faríamos com os cisnes brancos, poderíamos nos frustrar pela existência de um único caso que não se encaixasse na generalização: uma terça-feira seca ou um cisne que não fosse branco, por exemplo. Esse é o problema da indução, o problema da justificativa baseada no método da indução quando parece tão duvidosa. Como sabemos que o próximo copo d’água que bebermos não vai nos envenenar? Resposta: todos os copos d’água que bebemos no passado eram normais. Desse modo, presumimos que o de agora também será. Usamos esse tipo de raciocínio o tempo todo, embora pareça que não estamos completamente embasados para acreditar nele. Pressupomos padrões na natureza que tanto podem quanto não podem ser reais. 

Se você acha que a ciência avança pela indução, como muitos filósofos pensavam, então precisa encarar o problema da indução. Como a ciência pode se basear em um estilo de raciocínio tão duvidoso? A visão de Popper de como a ciência se desenvolve primorosamente se esquiva desse problema. Segundo ele, a ciência não confia na indução. Os cientistas partem de uma hipótese, um palpite inteligente sobre a natureza da realidade. Um exemplo poderia ser “Todos os gases se expandem quando aquecidos”. Essa é uma hipótese simples, mas a ciência da vida real envolve muita criatividade e imaginação nesse estágio. Os cientistas encontram suas ideias em muitos lugares: o químico August Kekulé, por exemplo, teve um sonho famoso no qual uma cobra mordia o próprio rabo, o que deu a ele a ideia para a hipótese de que a estrutura da molécula de benzeno é um anel hexagonal – hipótese que, desde então, sobrevive às tentativas da ciência de prová-la como falsa. 

Os cientistas, então, encontram um modo de testar tais hipóteses – nesse caso, pegando uma quantidade enorme de diferentes gases e aquecendo-os. Entretanto, “testar” não significa encontrar evidências para sustentar a hipótese; testar significa tentar provar que a hipótese pode sobreviver a tentativas de refutá-la. Teoricamente, os cientistas procurarão um gás que não se encaixe na hipótese. Lembre-se de que, no caso dos cisnes, só seria preciso um cisne negro para arruinar a generalização de que todos os cisnes são brancos. De maneira semelhante, só seria preciso um único gás que não expandisse quando aquecido para destruir a hipótese de que “Todos os gases se expandem quando aquecidos”. Se um cientista refuta uma hipótese – ou seja, mostra que ela é falsa –, isso resulta em um conhecimento novo: o conhecimento de que a hipótese é falsa. 

A humanidade avança porque aprendemos alguma coisa. Observar vários gases que se expandem quando aquecidos não nos dará conhecimento – exceto, talvez, um pouco mais de confiança em nossa hipótese. Mas um contraexemplo realmente nos ensina algo. Para Popper, a característica principal de qualquer hipótese é ter de ser refutável. Ele usava essa ideia para explicar a diferença entre ciência e o que chamava de “pseudociência”. Uma hipótese científica é aquela que pode ser provada como errada: ela faz predições que podem ser mostradas como falsas. Se eu digo “Há fadas invisíveis e indetectáveis me fazendo digitar esta frase”, não há nenhuma observação que possamos fazer para provar que a minha declaração é falsa. Se as fadas são invisíveis e não deixam rastro nenhum, não há como mostrar que a afirmação de que elas existem seja falsa. Ela não é refutável e, por isso não, pode ser uma declaração científica. 

Popper pensava que muitas declarações feitas sobre a psicanálise (ver Capítulo 30) não podiam ser refutadas dessa forma. Para ele, não era possível testá-las. Por exemplo, se alguém diz que todos são motivados por desejos inconscientes, não há um teste que prove isso. Toda e qualquer evidência, inclusive a negação das pessoas de que são motivadas por desejos inconscientes, são, segundo Popper, meramente aceitas como provas de que a psicanálise é válida. O psicanalista dirá: “O fato de negarmos o inconsciente demonstra que temos um forte desejo inconsciente de contestar o pai”. Contudo, essa declaração não pode ser testada, pois não há evidência imaginável que mostre que ela é falsa. Consequentemente, argumentava Popper, a psicanálise não era uma ciência. Ela não pode nos dar conhecimento tal como pode a ciência. 

Popper atacou as explicações marxistas da história da mesma maneira, argumentando que todo resultado possível contaria como mais um elemento a favor da visão de que a história da humanidade é uma história de luta de classes. Outra vez, a história era baseada em hipóteses não refutáveis. 

Em contraste, a teoria de Albert Einstein de que a luz era atraída pelo sol era refutável. Isso fez dela uma teoria científica. Em 1919, observações da aparente posição das estrelas durante um eclipse solar não conseguiram refutá-la. Mas poderiam ter refutado. A luz das estrelas não era normalmente visível; porém, sob as condições raras de um eclipse, os cientistas conseguiram ver que as aparentes posições dos planetas eram as posições previstas pela teoria de Einstein. Se os planetas parecessem estar em outro lugar, isso destruiria a teoria de Einstein de como a luz é atraída por corpos muito pesados. Popper não pensava que essas observações provavam que a teoria de Einstein era verdadeira. Mas o fato de a teoria poder ser testada e o fato de que os cientistas foram incapazes de mostrar que ela era falsa contam a seu favor. Einstein fez previsões que poderiam estar erradas, mas não estavam. 

Muitos cientistas e filósofos ficaram profundamente abalados com a descrição de Popper do método científico. Peter Medawar, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina, por exemplo, disse: “Penso que Karl Popper é incomparavelmente o maior filósofo da ciência de todos os tempos”. Os cientistas gostavam particularmente da descrição de sua atividade como criativa e imaginativa; eles também sentiam que Popper havia entendido como eles de fato realizavam seu trabalho. Os filósofos também ficaram encantados pelo modo como Popper contornou o difícil problema da indução. Em 1962, no entanto, o historiador da ciência e físico norte-americano 

Thomas Kuhn publicou um livro chamado A estrutura das revoluções científicas, que contava uma história diferente a respeito dos avanços científicos, sugerindo que Popper tinha entendido tudo errado. Kuhn acreditava que Popper não havia examinado o bastante a história da ciência. Se o tivesse, teria visto surgir um padrão. 

Na maior parte do tempo, ocorre o que chamamos de “ciência normal”. Os cientistas trabalham de acordo com um quadro de referência ou “paradigma” compartilhado pelos cientistas da mesma época. Então, por exemplo, antes de as pessoas entenderem que a Terra gira ao redor do sol, o paradigma era de que o sol girava ao redor da Terra. Os astrônomos pesquisavam de acordo com esse quadro de referência e tinham explicações para todas as evidências que não se encaixavam nesse quadro. Trabalhando conforme esse paradigma, um cientista como Copérnico, que propôs a ideia de que a Terra girava ao redor do sol, teria sido visto como alguém que errou nos cálculos. Segundo Kuhn, lá fora não há fatos esperando serem descobertos; ao contrário, o quadro de referência ou paradigma, até certo ponto, determina o que podemos pensar. 

As coisas ficam interessantes quando acontece o que Kuhn chamava de “mudança de paradigma”. Uma mudança de paradigma acontece quando todo um modo de pensamento é derrubado. Isso pode acontecer quando os cientistas encontram fatos que não se encaixam no paradigma existente – como observações que não fazem sentido no paradigma de que o sol gira ao redor da Terra. Mesmo assim, pode levar um bom tempo para que as pessoas abandonem seu antigo modo de pensar. Os cientistas que passaram a vida trabalhando segundo um paradigma geralmente não recebem com tanta facilidade um modo diferente de olhar o mundo. Quando por fim eles mudam para um novo paradigma, um novo período de ciência normal pode começar, dessa vez trabalhando-se de acordo com o quadro de referência. E assim tudo prossegue. Foi isso o que aconteceu quando a visão de que a Terra era o centro do universo foi superada. 

Quando as pessoas começaram a pensar sobre o sistema solar dessa maneira, foi preciso fazer muita ciência normal para entender o caminho dos planetas ao redor do sol. Não é de surpreender que Popper não tenha concordado com essa explicação da história da ciência, embora concordasse que o conceito de “ciência normal” fosse útil. Uma questão intrigante é se ele foi um cientista com um paradigma ultrapassado ou se chegou mais perto da verdade sobre a realidade do que Kuhn. 

Os cientistas usam experimentos reais; os filósofos, por outro lado, tendem a criar experimentos mentais para tornar seus argumentos plausíveis.

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