Por que estudar mitos é importante?

Estudar mitos é importante? No que isso vai me ajudar?

Você pode estar questionando o porquê de se estudar mitologia. 

Se você quer entender a natureza humana e compreender a si mesmo, é preciso percorrer a história humana desde o seu princípio. 

Os mitos refletem a nossa face interior. Os mitos são expressões de imagens presentes no inconsciente de todo ser humano.

Cabe a cada um de nós cuidar de trilhar o caminho do auto aperfeiçoamento, para que a natureza humana seja melhorada e assim alcançamos um mundo melhor.

Conhecer os mitos e conhecer a si mesmo.

Então vamos lá. Vamos aprender sobre o passado da humanidade, quando tudo começou.

O que é um Mito?

Mitos  são relatos simbólicos ou fantásticos que passam de geração a geração. 

Nos tempos bem antigos esses relatos foram transmitidos através da tradição oral, mais tarde, depois da invenção da escrita, os mitos foram preservados na literatura e, mais recentemente, nas telas do cinema.

Os mitos acompanham a humanidade desde a pré-história até os dias de hoje.

Essas histórias são protagonizadas por seres que encarnam as forças da natureza e muitas vezes possuem super poderes. São personagens sobrenaturais, deuses e heróis. Em alguns casos representam pessoas que realmente existiram.

Por que estudar mitos é importante?

Zeus, o deus dos deuses.

Os mitos já foram realidade?

Zeus é um exemplo de mito da Grécia Antiga. Nessa época acreditava-se em muitos deuses e deusas e Zeus era, para os gregos antigos, chefe de todos eles: o deus dos deuses. Além disso era o deus do céu, dos raios e relâmpagos.

Ele teve vários filhos e várias amantes dentre seus filhos Apolo era o deus da medicina e da luz e Atena deusa da sabedoria, das artes e da estratégia. Outro filho foi Minos - rei de Creta, um rei que pode ter sido um rei real. 

As pessoas nessa época acreditavam que todos esses deuses e deusas realmente existiam. 

Acreditavam que ao subir o monte Olimpo, a morada de Zeus, lá encontrariam todos os deuses. Mas claro, isso seria muita pretensão e ninguém faria isso por temer a fúria deles por estarem sendo importunados por simples mortais.

Podemos ver como os mitos se misturam com a realidade: 

Apolo (mito) personifica a saúde e simboliza o princípio de toda a cura. Seu fiel sacerdote é Quíron (mito?), que tem um filho, Asclépio que tem como descendente Hipócrates. Mas Hipócrates é um ser humano real e viveu entre 460 e 377 antes de Cristo e é considerado o pai da medicina. O Historiador Heródoto, nascido em 485 a.C, conta que Asclépio também foi uma pessoa real que viveu em cerca de 1.200 antes de Cristo.

Zeus, Apolo, Hera, Atenas e os outros deuses gregos antigos hoje são considerados apenas mitos, mas naquela época eram deuses e essa mitologia era uma religião. Esse raciocínio se aplica às diversas mitologias de povos e culturas antigas. Enquanto existem pessoas que crêem essas crenças são uma religião.

Ainda hoje existem diversos povos que ainda não estão envolvidos com os processos tecnológicos como algumas tribos indígenas da amazônia. Esses povos ainda se utilizam dos mitos para explicar os fenômenos de sua realidade.

Tirando seus poderes sobrenaturais, Zeus era muito parecido com os humanos, tinha raiva e desejos como nós. Poderia muito bem ser um líder ou rei antigo muito poderoso que acabou se tornando um mito. 

Essas histórias eram contadas oralmente e em determinado momento essa pessoa “normal” mas muito corajosa e destemida poderia ser transformada num mito, num deus. Bastava sua história ser contada por um narrador criativo e carismático, que acrescentaria alguns poderes sobrenaturais, feitos extraordinários e tal e pronto! Temos um novo mito.

O poeta grego Hesíodo descreveu Zeus como um deus que "trouxe a paz no lugar da violência" e se referia a ele como o "senhor da justiça".

Parecido com nosso mundo atual?

Por que estudar mitos é importante?

Santos Dumont: o pai da aviação

Getúlio Vargas: o pai dos pobres

Pelé: o rei do futebol

Lula: livrou milhões de pessoas da miséria

Se a história desses ídolos de sua época fosse transmitida apenas oralmente quem sabe se com o passar do tempo alguns deles não se transformassem em mitos. 

Talvez a única coisa que impeça isso de acontecer é que agora esses fatos estão registrados em livros, fotos, filmes e na internet. Esses registros são mais duradouros e, ao contrário da tradição oral, permanecem inalterados com o passar do tempo.

O que pode mudar é a interpretação desses registros devido a fatos novos e a descoberta de novos registros, o que é muito comum. Mas com certeza, Pelé nunca se transformaria num deus com super poderes como Zeus.

O nascimento de um mito

O mito surge da necessidade de se explicar a origem e a finalidade das coisas do mundo, dos poderes divinos, sobre a natureza e os homens.

O mito vem em forma de narrativa e o narrador precisa de credibilidade diante do grupo, de um poder de liderança e domínio da linguagem, deve ser convincente e carismático.

Geralmente é alguém mais velho, um ancião, o sábio do grupo. 

O narrador do mito pode acrescentar qualidades extraordinárias ao personagem.  Desde que seja convincente, todos podem acreditar na história que ele está a narrar, uma história que pode ser aterradora mas que no final deve tranquilizar e responder às necessidades do coletivo.

É o narrador que constrói o mito, mas o mito só sobreviverá se for aceito pela coletividade. Só assim a história desse mito será contada de geração em geração, lembrando que na antiguidade essa transmissão de uma geração para a seguinte era feita oralmente, não havia a escrita.

Na verdade, a narrativa do mito está “embutida” na mente de todo o grupo ou sociedade: o narrador só precisa traduzir em palavras essa imagem.

Imagine o homem primitivo, muito primitivo mesmo, no início do surgimento da fala quando nos diferenciamos dos outros animais. Era ele e seu grupo na floresta ou na savana. Acima deles o céu e embaixo a terra. 

À noite ficava tudo escuro e frio. Na escuridão estavam mais vulneráveis aos ataques de animais. Então, ao amanhecer o sol iluminava tudo trazendo a visão e a segurança. 

Também do céu vinha a chuva, trazendo a água, esse elemento indispensável.

Havia também a lua que, como o sol, era amiga com a sua luz. Ela cresce e diminui com o passar dos dias. Às vezes aparece junto com o sol.

E havia também as estrelas, os raios, os trovões. Tudo muito impressionante e misterioso, às vezes aterrador.

Era de se esperar que o céu fosse um elemento muito importante no imaginário desses homens primitivos. O sol um elemento amigo e a escuridão um elemento mau. Não podiam compreender o porquê dessa alternância. Por que deveria ocorrer a escuridão? 

Outro elemento importante era o fogo: podia ser inimigo ou, se bem tratado, amigo. O fogo afugenta as feras, traz luz e calor nas noites e serve para tornar os alimentos mais macios e comestíveis. Todas as culturas têm mitos relacionados ao fogo.

Num passado bem distante, o homem não sabia fazer o fogo. O fogo era obtido de incêndios naturais muitas vezes provocados por relâmpagos que vêm do céu. O fogo provavelmente era considerado um pedaço do sol.

A conquista do fogo foi uma das primeiras ações do homem que o diferenciou dos outros animais. Foi uma aproximação lenta e gradual pois havia o medo natural que todos animais sentem pelo fogo. Mas a curiosidade e a percepção de que o fogo poderia ter grande utilidade fez o ser humano se associar a esse elemento muitas vezes aterrador. 

O homem é o único animal que tem uma relação com o fogo.

Perceba que temos todos os elementos para um mito: o sol é um elemento que os protegia, e eles precisavam de muita proteção pois perto de leões, tigres e outras feras os seres humanos primitivos armados apenas com uma lança não tinham muita chance de escapar com vida. Ainda mais na escuridão.

Falta apenas alguém com criatividade para elaborar uma história, por exemplo, onde o sol luta contra a escuridão como eles lutavam contra as feras. 

Toda a noite, a escuridão derrota a luz mas, ao amanhecer, o sol vence e domina o céu com sua luz novamente. 

Nesse ponto o Sol e a escuridão tornam-se personagens com características humanas, está criado o mito.

Importante observar que há uma projeção dos sentimentos e medos do grupo para o mito: toda noite eles, os homens e mulheres do grupo, enfrentavam o medo da escuridão para, ao nascer do sol, vencer esse medo e dominar a situação novamente.

Ou seja, o mito na verdade representa o homem. Ao criar o mito o homem externaliza em palavras um sentimento que carrega dentro de si mas projeta esse sentimento em um personagem.

O homem conta sua primeira história, é nesse ponto que ele deixa definitivamente o reino animal para torna-se humano.

Claro que são apenas suposições mas esse formato de mito, onde há uma luta do bem contra mal, é a base para dezenas de mitos em todos os povos e culturas. Isso está impresso em nosso inconsciente e é por isso que somos atraídos por esse tipo de narrativa.

Mais adiante da história de nossos antepassados primitivos, o mito solar é acrescido de mais uma interpretação:

O Sol representa o nascimento e a vida. Ele nasce todos os dias, nos ilumina e morre ao final do dia para então ressuscitar (renascer) novamente dia após dia.

Seguindo mais adiante temos os ciclos das estações, os dias são mais longos no verão e mais curtos no inverno. Existe um dia mais longo (portanto a noite mais curta) e uma dia mais curto (e a noite mais longa) para cada um dos hemisférios do globo terrestre.

Quase todas as culturas do hemisfério norte consideram que o sol "morre" em 25 de dezembro pois é nesse dia que o sol tem a posição mais baixa no horizonte e é a noite mais longa do ano e ressuscita três dias depois quando os dias começam a aumentar e as noites a diminuírem.

Algum coincidência?


Por que estudar mitos é importante?

Quase mitos modernos

Apesar de que o registro dos fatos em livros, fotos, filmes e na internet dificultar o surgimento de uma mitologia moderna, mesmo assim alguns mitos estão surgindo mas, na maioria das vezes, são fenômenos transitórios. 

Getúlio Vargas era quase um mito. As multidões o adoravam. 

Não vamos entrar no seu mérito, afinal ele foi um ditador num certo período do seu governo. Mas o fato é que ele criou a legislação trabalhista em vigor até hoje (2019), criou a Petrobras, aumentou o salário mínimo em 100% e implementou uma visão de governo dirigida aos direitos sociais das classes menos favorecidas.

Mas esse sentimento de “Pai dos pobres” era em grande parte devido à propaganda do próprio governo. Isso preenchia a necessidade que todas as pessoas têm de serem protegidas, de se sentirem seguras. 

Como diz o dito popular: foi a união da fome com a vontade de comer: Getúlio tinha pretensões de poder e o povo queria alguém que as protegesse e resolvesse suas dificuldades com a vida.

Mas isso não durou para sempre. Ele foi acusado de usar dinheiro público para favorecer seus partidários e de ter mandado matar, sem sucesso, seu principal oponente: Carlos Lacerda. Diante de tanta pressão, cometeu suicídio em 1954, durante seu segundo mandato como presidente. 

Hoje em dia Getúlio Vargas é lembrado como um dos mais importantes políticos brasileiros do século XX. 

O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história. (final da Carta-testamento de Getúlio Vargas)

Seu modelo de mito: aquele que protege e dá segurança aos desamparados é muito eficaz. Getúlio serve de modelo aos políticos “populistas” até hoje.

Não quero dizer que Getúlio tenha usado o modelo de mito conscientemente, muito menos de má fé. O que quero dizer é justamente o contrário: o "mito" humano, GERALMENTE,  segue instintivamente o arquétipo que está em seu subconsciente.

Por outro lado, os seguidores do mito também estão, com certeza, seguindo instintivamente um personagem que está em seu inconsciente

Falamos sobre arquétipo em A Saga do Herói.

Independentemente da verdadeira grandeza de Getúlio e da honestidade das acusações de seus inimigos, temos o formato básico do mito que acabamos de descrever:

O mito protetor da humanidade (Getúlio o Sol) que luta contra inimigos que tentam destruí-lo (a oposição à Getúlio, a escuridão)

Para complicar ainda mais, temos a situação oposta: os opositores de Getúlio o consideravam uma força do mal (a escuridão) e seus opositores eram a luz.

Fica a pergunta: quem tinha razão?

Getúlio Dornelles Vargas nasceu em 19/4/1882, na cidade de São Borja (RS) e faleceu em 24/8/1954, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Foi o presidente que mais tempo governou o Brasil, durante dois mandatos. Foi presidente do Brasil entre os anos de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954.

Agora preste atenção, isso ocorre o tempo todo na política, tanto no Brasil como no resto do mundo. Quase sempre tem-se duas correntes opostas que lutam entre si.

O problema está nessa relação, as partes opostas se consideram inimigas quando na verdade deveriam ser apenas adversárias.

Na qualidade de adversários tudo fica muito mais saudável: seria apenas uma discussão construtiva que serve para mostrar os defeitos e deficiências de cada parte. Assim, corrigindo esses defeitos nos tornamos melhores. Nessa situação poderíamos dizer:

Obrigado por ser meu adversário e apontar meus defeitos.

Mas isso na verdade é a exceção. Ocorre que, em vez de uma discussão construtiva, há  uma luta pelo poder, pois o poder neste caso está ligado à força, à dominação e ao dinheiro. As armas utilizadas nesse confronto não são questionamentos ou críticas legítimas mas apenas acusações e calúnias pessoais, na maioria das vezes falsa. Uma pena.

Pior, geralmente os dois lados usam dessa estratégia: eles são os bons e o outro lado é o mau.

Devemos pelo menos tentar dissipar essa névoa de intrigas, essa escuridão para então ver o que realmente está acontecendo. 

Por incrível que possa parecer, a análise baseada nos mitos permite enxergar as motivações desses personagens reais pois eles estão consciente (no caso dos mais maléficos) ou inconscientemente desempenhando papéis que acompanham a humanidade há milênios. 

E nós, simples cidadãos "mortais", estamos assistindo a tudo isso e "caindo" nessa conversa toda.


São os povos que criaram os mitos ou são os mitos que criam os povos?

Depois de dito tudo isso fica a questão: quem cria quem? Criamos o mito ou é o mito que nos cria? (criar também no sentido de modelar)

Se criar é Deus dando vida ao Adão de barro, então não é o homem que cria o mito. Em tempo, não estou a dizer que Deus e toda a religião Cristã é um mito. Esse aspecto não é importante nesta análise.

O que quero dizer é que existe um ciclo: O mito está latente em nosso inconsciente e já está a nos guiar. Então alguém cria uma narrativa que traduz essa imagem, dá “vida” ao mito, o torna real em nosso consciente. 

Então esse mito, surgido em tempos ainda primitivos, vai guiar o ser humano no momento que ele "constrói" uma civilização.

Criamos o mito e o mito nos modela.

Se o mito é positivo, se favorece o desenvolvimento da sociedade, esse mito vai seguir em frente e determinará o funcionamento desse grupo ou cultura em relação ao que ele trata: a luta do bem contra o mal, a busca da sabedoria, a compaixão, o amor, etc.

Assim, podemos dizer que os mitos criam os povos 

Por que estudar mitos é importante?

A Questão que fica é: tal mito é bom ou ruim?

Essa questão é muito importante.

Na hostilidade do mundo primitivo, onde éramos caçadores mas também a caça, qualquer vacilo poderia ser a morte. Os mitos não podiam atrapalhar a vida.

Como dissemos, ninguém sabe ao certo como tudo começou mas podemos dizer que o mito do sol era uma crença materialista: o sol nos ilumina e nos traz segurança, só isso. O mito do sol, neste momento, não cobrava fidelidade e não prometia uma vida após a morte. Também não nos pedia tributos e não determinava nenhuma moral. Ele é apenas um cara legal que luta todos os dias contra a nossa inimiga:  escuridão.

Ou seja, tratava-se de um mito positivo, pois trazia conforto e segurança para nossos antepassados primitivos e não pedia nada em troca. Lembre-se do que dissemos na Saga do Herói

O verdadeiro herói é aquele que faz sem desejar nada em troca.

A pré-história era um tempo de muita dificuldade, imagine se esse mito (o sol mitológico) pedisse em troca de sua luz um pagamento, por exemplo: que a metade da caça deveria ser posta em um altar no meio da savana. Esse grupo de humanos ficaria em desvantagem em relação a outros grupos que não tinham esse mito destrambelhado e logo sumiriam do mapa, levando junto seu mito idiota.

Do jardim do Éden à civilização

Num passado distante, a natureza dava ao homem tudo o que ele precisava naquele estágio evolutivo, era como o Jardim do Éden do Antigo Testamento. 

Quando o alimento se tornava escasso era só se mudar para outro local ainda inexplorado - como algumas indígenas fazem ainda hoje.

A população humana começa a aumentar quando nossos antepassados começaram a dominar uma nova tecnologia: a agricultura. Aquele sentimento de ajuda mútua primitiva (novamente, uma suposição mas que tem uma certa lógica) começa a enfraquecer quando os recursos se tornam escassos devido ao aumento populacional. Havia então mais grupos humanos disputando áreas produtivas. 

Lutas entre grupos, as futuras guerras, se tornaram comuns. Podia acontecer de um grupo mais forte dominar os demais pondo fim ao quebra quebra: aqui quem manda sou eu! O preço da paz era pago aos dominadores com tributos (impostos), com parte da produção.

Nada tira da minha cabeça que esses grandes conquistadores da antiguidade não passavam de psicopatas que haviam conquistado o poder, e que o estado tem em seu princípio um grande e violento golpe. Mas atenção: é apenas minha opinião.

Tudo isso não tira a beleza do mito original, que era bom e não pedia nada em troca.

O mito legitimando o poder

Com o passar do tempo, a humanidade entra na era em que uns poucos (os reis) determinavam os rumos dos povos, os mitos foram modificados e usados para legitimar essa posição superior. 

(1) O sol se torna o deus onisciente: ele vê tudo lá de cima.
(2) O sol se torna o deus da justiça, pois ilumina igualmente a todos.
(3) O sol se torna o deus do castigo, pois sem a alternância da chuva seu calor é destrutivo.

O sol se torna, além de sua atribuição inicial de protetor, o onisciente (o que sabe de tudo que acontece), o justo, o impiedoso. Todas essas atribuições são as que um rei quer para si. O sol passa as ser O SOL, um deus. Esse deus tem o rei como seu representante entre os homens. Alguns reis mais criativos se diziam filhos do Sol e outros mais exagerados se proclamavam como o próprio Deus Sol.

Ou seja, alguns espertalhões ressignificaram (para usar uma palavra da moda), ou seja, deram um novo significado a um mito que tinha um grande apelo e carinho junto ao povo para legitimar um golpe:

(o rei) Sou representante do SOL, ele fala a vocês através da minha voz. 

Vejo tudo o que vocês fazem e sei tudo que pensam (sou onisciente como o SOL).

Vocês me obedeçam, se não eu julgarei vocês (sou o representante do deus da justiça) e os condenarei a um grande castigo (meu castigo será em nome do deus Sol)... 

Aproveitam da credulidade do povo para impor seus desejos de poder. Está criado o absolutismo.

Nessa situação, ao contrário do mito primitivo, o Sol exige pagamento de tributos, exige obediência e sacrifício se não trará a dor e até mesmo a morte.

Existe poder do bem?

Esse domínio dos reis poderosos, por incrível que pareça, tinha um lado bom: um governo forte impede que as pessoas ficassem lutando umas contras as outras. Mas a paz não era a norma. O problema é que vários reis lutavam entre si, ou melhor, mandavam seus soldados (o povo) lutarem em seu nome.

A concentração de riqueza, se bem utilizada, pode trazer benefícios a sociedade. Nas primeiras civilizações era o estado, personificado na figura do rei (no antigo Egito os faraós) que acumulava riqueza. 

É nessa época que surgem as cidades. Houve um enorme avanço tecnológico como o domínio da agricultura, metalurgia e da navegação, grande desenvolvimento artístico e comercial, a criação da escrita, da matemática, das profissões, lista é infindável. Foi um período de conquistas culturais e tecnológicas comparável às da era moderna.

Mas também houve grandes desperdícios como levar 20 anos para construir um super túmulo: uma pirâmide, além de muitos templos, palácios e outros túmulos para os grandes reis. Além disso foi quando se criaram os exércitos e as guerras.

Foi uma das três grandes revoluções da humanidade: a primeira quando nos tornamos seres humanos, a segunda justamente essa, a revolução agrícola e da escrita e a terceira a revolução industrial.

Afinal, mito é bom ou ruim?

Acabamos por não responder a essa pergunta.

A agricultura, mais esse poder dirigista do rei, permitiu à sociedade humana produzir mais do que era necessário para a simples sobrevivência. Era o início da civilização.

Assim, a mitologia solar "ressignificada" para legitimar o poder real pode gerar um mito aparentemente contra a sociedade em geral - o que não seria possível em tempos primitivos. Agora, com o excedente de produção, já se podia dar-se ao luxo de muito desperdício com guerras, palácios luxuosos, de uns terem muito mais do que outros.

Caramba! Essa pouca vergonha vem de muito tempo! Parece que nada mudou! O que muda é que o tempo passa e o poder muda de mão.

Então o mito, agora "do mal", sobrevive e até permite muito desenvolvimento.

Cabe a cada um de nós cuidar de trilhar o caminho do auto aperfeiçoamento, para que a natureza humana seja melhorada e assim alcançamos resultados melhores.

Veja esse caminho em A Saga do Herói.

Essa questão do rei, ou como se diria mais tarde, da classe dominante, é um assunto bem complexo e que aqui eu tratei de uma forma bem superficial e emocional. Teoricamente, pode-se ter uma classe superior (a aristocracia) que ela haja com sabedoria,  de maneira positiva... teoricamente, não tenho certeza se isso já aconteceu e, se aconteceu, certamente foi por um curto espaço de tempo.

Por outro lado, nada garante que cada um por si daria certo. Na verdade nunca foi assim, sempre houve regras a seguir. 

Nos tempos primitivos as regras eram como os mitos, eram regras que surgiam naturalmente e só seguiam adiante se proporcionassem mais riqueza e bem estar ao grupo. 

O que dava certo continuava, o que dava errado não seguia em frente simplesmente por não haver espaço para erros. Estávamos à mercê das forças da natureza, quem não age de acordo com essas forças não segue em frente.


A sobrevivência do mito.

Hoje a ciência, juntamente com a escrita, explica quase tudo de maneira racional, tomando o espaço dos mitos em nossa imaginação. Não recorremos mais, como os gregos antigos, à Apolo quando estamos doentes, em vez disso, vamos ao médico.

Os mitos tinham essa função: explicar o mundo ao nosso redor num tempo em que não havia uma explicação lógica para os acontecimentos. Não havia a ciência, as soluções vinham pelo fantástico e pela magia.

Os mitos se referem aos significados eternos da nossa existência, aos fundamentos da cultura de um povo. Esses significados não se referem à questões práticas. Mitos não nos permite fazer um pão mais gostoso, mesmo que tenhamos fé no deus do pão. É a prática e o conhecimento do ofício que faz o bom padeiro.

Entretanto, os mitos dão um significado à vida, uma vida sem sentido ou significado nos leva ao desespero.

Agora é a ciência que explica a chuva, o sol, as doenças e quase todos os fenômenos naturais, que são acontecimentos objetivos - independentes da consciência humana.

A questão é que nossa psique (alma, espírito, mente - em oposição ao corpo) não funciona da mesma maneira que o mundo que a ciência explica. A mente humana tem um funcionamento subjetivo, o mundo é o mesmo para todos mas cada um tem seus próprios pensamentos, sentimentos e julgamentos.

Assim como é natural que o ser humano seja um “perguntador” sobre as coisas e fenômenos do mundo, também é natural que queiramos conhecer a nós mesmos.

Os mitos refletem essa nossa face interior. Os mitos são expressões de imagens presentes no inconsciente de todo ser humano, e eles são mitos justamente por isso, senão seriam apenas uma história como tantas outras.

Na era moderna é essa a função dos mitos: uma maneira de conhecermos as nós mesmos e a sociedade em que vivemos.